Brasil poderia ter sido primeiro país a iniciar vacinação, diz Dimas Covas
O dirigente do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou que o Brasil “poderia ter sido o primeiro país a começar a vacinação” contra a covid-19. “Muitas vezes declarei de público que o Brasil poderia ser o primeiro país do mundo a começar a vacinação, não fosse os percalços que nós tivemos que enfrentar nesse período, tanto do ponto de vista do contrato quanto do uso regulatório. Quer dizer a Anvisa aprovou o uso em dezembro… Poderíamos ter começado antes se tivesse tido uma agilidade de todos esses atores.”
A declaração foi dada em depoimento à CPI da Covid, na qual Covas presta esclarecimentos na condição de testemunha. De acordo com o chefe do Butantan, em dezembro de 2020, o instituto tinha 5,5 milhões de doses estocadas e 4 milhões em processamento. “Ou seja, quase 10 milhões de doses prontas em dezembro do ano passado sem contrato com o Ministério. O mundo começou a vacinação no dia 8 de dezembro. No final de dezembro o mundo tinha aplicado um pouco mais de 4 milhões de doses e nós tínhamos mais de 4 milhões no Butantan.” Ainda segundo Covas, no fim de 2020, quando o Butantan celebrou contrato com o Ministério da Saúde, uma cláusula pedindo exclusividade com a Sinovac dificultou a negociação inicial, já que o instituto havia firmado parceria com a Sinovac para distribuir a vacina na América Latina.
Oferta de 100 milhões de doses e atraso nas negociações
Covas relatou que o Butantan fez uma oferta de 100 milhões de doses da CoronaVac ao governo Jair Bolsonaro (sem partido) em outubro de 2020. Segundo ele, até então, não havia “resposta positiva” do Ministério da Saúde em relação às negociações para aquisição do imunizante desenvolvido em parceria com o laboratório chinês Sinovac.
Nesse mesmo período, Bolsonaro contestava publicamente a eficácia da CoronaVac e, em um contexto de disputa política com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que não compraria o imunizante. Durante a audiência de hoje na CPI, o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), exibiu um vídeo de uma live do presidente na qual ele dá um recado ao tucano: ‘Arruma outro para pagar a sua vacina’.
De acordo com o depoimento de Covas, enquanto o chefe do Executivo federal manifestava publicamente sua resistência à CoronaVac, o Ministério da Saúde acabou por protelar as negociações com o Instituto Butantan (que pertence à estrutura do governo de SP) e recusou uma sugestão de apoio financeiro —os recursos seriam utilizados para reformar uma fábrica destinada a produção própria do imunizante. A oferta de 100 milhões foi a segunda enviada ao governo federal pelo Instituto Butantan. Em julho de 2020, a entidade já havia se colocado à disposição para produzir 60 milhões de doses, com previsão de entrega no último trimestre do ano passado.
O dirigente do Butantan afirmou que, à época, iniciou as tratativas em conversas com o então ministro Eduardo Pazuello. No entanto, “as conversações não prosseguiram porque houve uma manifestação do presidente da República dizendo que a vacina não seria, de fato, incorporada”. Covas relatou que as conversas começaram a evoluir a partir de outubro, com uma “sinalização” por parte do Executivo federal de “existir uma medida provisória para atender esses pleitos”. “Tudo, aparentemente, estava indo muito bem, tanto é que, no dia 20 de outubro, eu fui convidado pelo então ministro da Saúde, general Pazuello, para uma cerimônia no Ministério da Saúde onde a vacina seria anunciada como sendo uma vacina do Brasil”, rememorou.
“Até, na sua fala, [Pazuello] disse: ‘Esta será a vacina do Brasil: a vacina do Butantan, a vacina do Brasil’. E [o ex-ministro] anunciou, naquele momento, publicamente, com a presença de governadores, de parlamentares, que iria ser feita uma incorporação de 46 milhões de doses.”
O episódio narrado pelo dirigente do Butantan diz respeito ao recuo do Ministério da Saúde em relação ao processo de aquisição da CoronaVac. Na ocasião, o ex-ministro Eduardo Pazuello foi desautorizado publicamente por Bolsonaro, que ordenou que a pasta cancelasse a compra depois que as partes já haviam costurado o acordo. “A partir desse ponto, é notório que houve uma inflexão, e eu digo isso porque, no final da reunião, no dia 20, com a presença de vários governadores, vários parlamentares, nós saímos de lá muito satisfeitos com a evolução dessas tratativas e achávamos que, de fato, iríamos ter resolvido parte desse problema.”
Fonte: Com colaboração de Ana Carla Bermúdez