Cavalos que participam da produção do soro anti-Covid comem melaço e até escutam música clássica

Tradicionalmente usados como meio de transporte, os cavalos cada vez mais prestam serviços para além das fazendas. A bola da vez é a importância deles para a saúde humana, em especial no combate à Covid-19.

É que os cavalos podem fornecer anticorpos por meio de seu plasma para a produção de um soro que visa combater o coronavírus em pessoas infectadas pela doença. A técnica já é usada há anos na fabricação de medicamentos contra picadas de cobras, aranhas e abelhas.

O Instituto Butantan, em São Paulo, lidera uma das iniciativas no país e já teve o seu soro liberado para testes em seres humanos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Já o Instituto Vital Brazil (IVB), no Rio de Janeiro, tem uma pesquisa semelhante, que ainda aguarda a aprovação da agência para testes em humanos, mas já tem planos de investigar se o soro é eficaz contra a variante Delta, diz Priscilla Palhano, presidente da entidade.

Ela conta que, na fazenda do instituto, em Cachoeiras de Macacu (RJ), os cavalos recebem um tratamento diferenciado para conseguirem aguentar as retiradas semanais de sangue. Lembra um pouco os cuidados com o boi wagyu, que chegava a receber até massagem e cerveja no Japão.

Grandes áreas de pastagens permitem ainda que os cavalos corram livremente e, no verão, ventiladores nos estábulos soltam gotículas de águas para eles se refrescarem.

Em todo o Brasil, a tropa é composta por, aproximadamente, 5 milhões de cavalos. Os principais plantéis estão em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia, estados onde o efetivo ultrapassa 400 mil.

setor movimenta R$ 16 bilhões por ano, levando em conta suas diferentes atividades: agropecuária, militar, esporte, lazer e saúde.

Ao todo, o segmento gera em torno de 3 milhões de postos de trabalho direto e indiretos, segundo dados da revisão do Estudo do Complexo do Agronegócio do Cavalo, do Ministério da Agricultura.

Enquanto vacina é prevenção, soro é tratamento. Quando uma pessoa é vacinada, o corpo demora um tempo para fabricar os anticorpos. Já o soro tem a função de fornecê-los prontos para combater imediatamente o vírus.

No IVB, o início da produção do soro começa na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que fornece a partícula viral para ser injetada nos cavalos.

Os animais recebem apenas uma parte do vírus, chamada de proteína spike (S), uma estrutura localizada na coroa do coronavírus. O método é diferente do usado pelo Butantan, que usa o vírus inteiro inativado.

Os cavalos inoculados não ficam doentes, mas reagem, produzindo grande quantidade de anticorpos que neutralizam o vírus. No IVB, eles recebem o antígeno uma vez por semana até produzirem anticorpos suficientes para a produção do soro.

Quando isso acontece, é feita a sangria, que é como se fosse uma doação de sangue.

Essa bolsa de sangue vai para um sistema de decantação, onde as hemácias são separadas do plasma, que é onde os anticorpos estão.

Já o plasma é reposto naturalmente pelos cavalos com a ingestão de líquidos. Na fábrica do instituto, os anticorpos são separados do restante do plasma e misturados a outras substâncias para fabricar o soro.

O IVB precisa ainda da autorização da Anvisa para envasar o medicamento em ampolas e começar os testes em humanos, o que eles esperam que ocorra até setembro.

“Em animais, se mostrou seguro e eficaz para neutralizar o vírus”, afirma Priscilla.

O melaço de cana misturado à ração, a música clássica, o ventilador com gotículas de água não são meros “mimos” para os cavalos, diz Priscilla.

Todo esse tratamento precisa existir tanto para o bem-estar animal, como também para atender a exigências de órgãos como Anvisa, Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) e Comissão de Ética no uso de Animais (CEUA).

Na dieta dos cavalos, são misturados ainda capim picado e suplemento mineral. “Os animais são vacinados semestralmente, sofrem vermifugações quando necessário, são pesados mensalmente e acompanhados por médicos veterinários diariamente”, acrescenta.

Mesmo com o aumento do uso de máquinas agrícolas, os cavalos continuam sendo indispensáveis nas atividades de boa parte das fazendas, com destaque para as criações de gado. Os animais que trabalham no campo são chamados de “cavalos de lida“.

Nas propriedades, eles auxiliam os vaqueiros a conduzirem o rebanho bovino dos currais e estábulos a pastos e piquetes e vice-versa.

Mas nem sempre o uso do trator é possível. É o caso de plantações em terrenos com declividade. “Se o solo é uma ladeira muito forte, você não tem como entrar com máquinas. É onde o cavalo ou o burro são essenciais”, diz Roberto Arruda de Souza Lima, professor da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (USP).

Ele explica que nas colheitas de banana e cacau, por exemplo, esses animais ainda são muito utilizados para transportar os alimentos.

Estima-se que os cavalos de lida representem 78% do plantel nacional, enquanto 22% são voltados para esporte, lazer e criação.

Fonte: G1

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