Grupo que intermediou vacinas procurou Bolsonaro, indicam mensagens em celular de policial

Mensagens no celular do policial que denunciou um suposto pedido de propina no Ministério da Saúde apontam que o grupo do qual ele faz parte procurou o presidente Jair Bolsonaro para tratar do negócio de compras de vacina AstraZeneca por meio da intermediária americana Davati.

A CPI da Covid no Senado tenta ouvir os envolvidos ainda esta semana.

O elo entre o grupo e o presidente seria o reverendo Amilton Gomes de Paula, que foi convocado a depor na CPI da Covid. O depoimento estava marcado para quarta-feira (14), mas ele apresentou um atestado médico que o impede de depor por 15 dias.

Nesta terça-feira (13), uma junta médica do Senado foi até a casa do reverendo para fazer uma perícia e confirmou os problemas de saúde.

Amilton se tornou alvo dos senadores após a revelação de que uma entidade comandada por ele teria participado de negociações de vacinas com o Ministério da Saúde.

A Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários, a Senah, chegou a ser reconhecida pelo ministério em documentos como intermediária na negociação paralela por 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca com a Davati, empresa americana localizada no Texas.

A AstraZeneca diz que negocia diretamente e apenas com governos, sem intermediários.

A CPI considera já ter indícios suficientes para comprovar a atuação do reverendo Amilton Gomes na interlocução entre a Davati e o Ministério da Saúde. Agora, a comissão quer investigar os possíveis laços do religioso com o Palácio do Planalto.

Os senadores querem que Amilton explique conversas que indicam que o presidente Jair Bolsonaro teria sido procurado pelo grupo. As mensagens estão no aparelho celular do policial militar de Minas Gerais Luiz Paulo Dominghetti, apreendido pela CPI.

O cabo da PM prestou depoimento à Comissão no dia 1º de julho, quando acusou o ex-diretor do Ministério da Saúde, Roberto Dias de pedir propina de US$ 1 por dose na negociação de vacinas.

Mensagens

Uma das mensagens traz um diálogo entre Dominghetti e Cristiano Alberto Carvalho, representante da Davati no Brasil. No dia 13 de março, Dominghetti envia uma mensagem a Cristiano:

“Estão viabilizando sua agenda com presidente.”

Cristiano responde em áudio, pedindo a confirmação:

“Dominghetti, por favor, verifica para mim se o presidente vai atender hoje ou amanhã ou até na terça, porque aí eu preciso mudar o voo e preciso reservar o hotel, ‘tá’ bom? Obrigado.”

O policial responde que “já estão trabalhando para agendar” e que “me falaram que estão esperando uma resposta do Palácio.”

Mais tarde, cobrado novamente sobre a marcação, Dominghetti responde em áudio:

“O que eles me falaram, eu nem sabia que ia ter agenda com o Bolsonaro, você que me falou. O que eles me falaram é assim, que estão atuando fortemente lá, e agora depende é do presidente. Ele não marca agenda, ele fala assim: ‘Vem aqui agora’, né? Então, assim, de uma forma mais urgente. Agora, para falar com ele em agenda, eles conseguem marcar segunda, terça, quarta, que aí entra na agenda oficial. O que eles estão tentando é que o presidente te receba de forma extraoficial, entendeu? Devido à urgência, é o que eles estão tentando. Agora, a agenda oficial eles conseguem marcar, isso aí… O que eles estão tentando correndo é uma agenda extraoficial.”

Ainda no mesmo dia, Cristiano envia um áudio a Dominghetti. É quando aparece a referência ao reverendo Amilton.

“Dominghetti, agora nós precisamos aí… O reverendo está falando que está marcando um café da manhã com o presidente amanhã, às 10h, 9h, sei lá, que vai ter um café com os líderes religiosos e a gente vai entrar no vácuo, ‘tá’? Agora tem que fazê-lo confirmar isso aí para a gente colocar uma pulguinha atrás da orelha do presidente, ‘tá’?”

Dominghetti responde: “Isso mesmo”.

No fim do dia, Cristiano reclama em mensagem: “Reverendo me fez ficar aqui e até agora não confirmou o café da manhã com o presidente”.

O policial responde: “Ele está aguardando a resposta do cerimonial com presidente”.

Agenda de Bolsonaro

Não há registro de encontro do presidente com líderes religiosos no dia seguinte, mas sim dois dias depois.

No dia 15 de março, Jair Bolsonaro recebeu no Palácio do Planalto líderes religiosos para um encontro de duas horas. O nome de Amilton não consta dos participantes do evento.

Segundo a agenda oficial do presidente, a reunião durou duas horas, entre 16h e 18h.

No mesmo dia, às 17h, Dominghetti pergunta a um auxiliar do reverendo Amilton: “Como foi a visita do reverendo ao 01?”. Amauri responde: “O reverendo nesse momento está com o 01″.

Amauri é identificado na agenda de Dominghetti como “Amauri vacinas embaixada”, uma referência a outro nome usado pela Senah, de Embaixada Mundial pela Paz.

Já no dia 16, a conversa de Dominghetti é com o reverendo Amilton. O nome registrado pelo policial em sua agenda é reverendo Anderson, mas a TV Globo apurou que o número é usado por Amilton.

Questionado por Dominghetti sobre atualizações, Amilton diz: “Ontem falei com quem manda! Tudo certo! Estão fazendo uma corrida compliance da informação da grande quantidade de vacinas!”.

No mesmo dia, outras duas pessoas ligadas à Senah citam a possível reunião do reverendo com o presidente da República.

Registrada na agenda como “Maria Helena embaixada”, uma auxiliar do reverendo diz ao policial: “Ontem o reverendo esteve com o presidente”.

Já um interlocutor registrado como “Renato compra vacinas Chapecó” diz: “Ontem o Amilton falou com o Bolsonaro, ele falou que vai comprar tudo.”

Em entrevista à TV Globo por telefone, o reverendo Amilton negou que tenha conversado sobre vacinas com o presidente da República, mas não soube explicar a quem se referia ao falar que havia conversado “com quem manda”.

Amilton: “Mas não, eu não estava na reunião, eu não compareci. A informação que me passaram é que haveria de desmarcar essa reunião de líderes por compromisso em uma Igreja Católica e ia rezar. Não houve”.

Repórter: E o senhor, o senhor mandou essa mensagem no dia seguinte para o Dominghetti dizendo: “Ontem conversei com quem manda”. Quem que seria?

Amilton: Bom, conversei com quem manda, a gente pode ter assim várias ideias de que quem manda, né? Quem manda, é quem está na frente, a gente conversa, quem manda é quem está na direção, né?

Repórter: Quem era nesse caso?

Amilton: Bom, era, várias, várias situações. Várias situações, a gente, eram uma pessoa assim que a gente não pode direcionar para de fato ter uma resposta concreta nessa questão.

Repórter: O senhor não lembra quem era, por que quando coloca para o Dominghetti nessa mensagem?

Amilton: Não, eu não, quem manda tem que ver, né? Várias, o dia que fosse, a hora que fosse. Ele fica passando muita coisa, fica atendendo vocês e, assim, fico sem uma resposta.

O Palácio do Planalto não respondeu aos contatos da reportagem.

Fonte: G1

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