Há exato um ano, a crise do oxigênio no Amazonas causava perplexidade em todo o mundo e marcava um dos momentos mais tristes da pandemia no Brasil. No dia 14 de janeiro de 2021, o caos se instalou no sistema de saúde de Manaus, quando faltou oxigênio nos hospitais.
Na época, o estado registrava recorde de internados com Covid, e as unidades ficaram superlotadas. O Amazonas foi o primeiro estado do país a sofrer com os impactos da segunda onda da Covid.
Investigações do Ministério Público e da Defensoria Pública apontam que mais de 60 pessoas morreram em todo o estado por conta da falta de oxigênio. Mais de 500 pacientes foram transferidos às pressas para hospitais em outros estados.
Até hoje, ninguém foi responsabilizado pela crise do oxigênio. Autoridades públicas e empresas privadas são alvos de ações do MP-AM, MPF e da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, instalada no Senado.
O número de vidas perdidas, desde o começo da pandemia, passa de 13,8 mil.
Atualmente, o Amazonas enfrenta uma nova explosão de casos de Covid-19, causada, sobretudo, pela variante ômicron. Na terça e quarta (11 e 12), foram registrados mais mil novos casos de Covid.
Apesar do aumento de casos, a situação é menos grave do que no ano passado graças ao avanço da vacinação no estado: 41,5% estão com o esquema vacinal completo, e 65,21% tomaram a primeira dose.
Mas o crescimento de novos casos trouxe o medo de uma nova crise reativa as restrições. Eventos com mais de 200 pessoas foram cancelados, além de blocos carnavalescos e até cruzeiros.
Esta reportagem mostra fatos que antecederam e sucederam a crise do oxigênio no Amazonas. Você vai entender:
- Os sinais da crise que estava por vir;
- O caos dos dias 14 e 15 de janeiro;
- A omissão das autoridades diante da crise;
- O consumo atual de oxigênio no estado;
- As incertezas provocadas pela ômicron.
Os sinais da crise que estava por vir
Em dezembro de 2020, o Amazonas voltou a observar aumento de novos casos de Covid. Com o consequente aumento de internações e mortes, o governo estadual determinou o fechamento total do comércio no dia 26 de dezembro.
A medida causou revolta nos comerciantes e manifestações por toda a capital. Sob pressão, o governo flexibilizou a abertura do comércio no fim do ano, mas a Justiça determinou o retorno das medidas restritivas no começo de janeiro.
Em meio a esse cenário, foi identificada no Amazonas a variante P.1, hoje conhecida como Gama, que se mostrou mais letal e mais transmissível.
Rapidamente, o sistema de saúde, tanto na rede pública quanto privada, ficou sobrecarregado. O número de internados com Covid só aumentava, e, também, a demanda por oxigênio.
Nas primeiras horas do dia 14 de janeiro, profissionais de saúde e familiares de pacientes saíam de dentro dos hospitais em desespero, relatando que havia acabado o oxigênio dos hospitais. Foram dois dias sem oxigênio, ou quase nada, nos hospitais.
A situação foi constatada nos principais hospitais de Manaus, como Hospital 28 de Agosto, Hospital Universitário Getúlio Vargas, Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado, e Serviços de Pronto-Atendimento (SPA) pela cidade.
Em meio à falta do insumo, pacientes morriam asfixiados nas unidades. A urgência por oxigênio era tão grande que pessoas passaram a comprar o insumo por contra própria, e levavam às pressas para os hospitais, na esperança de salvar seus familiares internados.
O consumo médio de oxigênio por dia, que era de 14 mil metros cúbicos, cresceu abruptamente, atingindo uma média 76,5 mil metros cúbicos. A capacidade de produção das empresas fornecedoras era de 28,2 mil metros cúbicos, na época.
A corrida por oxigênio provocou filas gigantescas na frente nas empresas fornecedoras, porém, faltou o insumo até para vender. As empresas tinham que dar prioridade ao fornecimento a hospitais.
Como os hospitais estavam lotados, muitos pacientes permaneceram internados em casa, sobrevivendo com cilindros de oxigênio. Nos hospitais particulares, também faltava o insumo. E, nos dias seguintes, a crise do oxigênio se estendeu para municípios do interior.
De acordo com documentos obtidos pelo Ministério Público, a falta de oxigênio causou a morte de pelo menos 31 pessoas apenas em Manaus nos dias 14 e 15 de janeiro.
Conforme levantamento da Defensoria Pública do Amazonas, cerca de 30 pacientes também perderam a vida por conta da escassez do insumo no interior do Amazonas.
Com o sistema de saúde sem oxigênio e superlotado, 542 pacientes foram transferidos em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para hospitais de 16 estados.
A operação iniciou em 15 de janeiro e seguiu até 10 de fevereiro. Segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM), 444 pacientes retornaram com vida ao Amazonas.
O pico da segunda onda da Covid foi registrado entre meados de janeiro e início de fevereiro de 2021. Os números de infectados, internados e mortos pela doença só perderam força a partir do final de março.
Três dias antes da crise eclodir, em 11 de janeiro, a White Martins, empresa responsável pelo fornecimento de oxigênio ao Governo do Amazonas, informou que a demanda estava seis vezes acima do que vinha sendo registrado ao longo da pandemia.
Ao g1, a White Martins afirmou que possuía capacidade para produzir um volume de oxigênio três vezes maior do que o contratado pelo governo, mas a demanda já superava a sua capacidade.
Na ocasião, o governador do Amazonas, Wilson Lima, já descrevia a situação como dramática, por conta da demanda crescente do estado.
Segundo a Procuradoria Geral da República (PGR), um relatório apontou que o Ministério da Saúde foi informado no dia 8 de janeiro sobre a iminente falta de oxigênio pela empresa White Martins.
Apesar disso, o então titular da pasta, Eduardo Pazuello, agiu tardiamente para enfrentar o problema. Naquela época, a pasta se dedicava propagar o uso de medicamentos ineficazes no combate à doença, como a hidroxicloroquina.
Durante o período, documentos enviados do Ministério da Saúde a Manaus sugeriam a criação de tendas para indicar remédios sem eficácia comprovada contra a Covid.
A CPI da Covid, instalada no Senado, também mostrou que uma carta foi enviada pela White Martins ao governo do Amazonas no dia 16 de julho de 2020, indicando que o estoque de oxigênio fornecido pela empresa ao estado não suportaria um colapso na saúde pública, justamente o que aconteceria em janeiro de 2021.
Após seis meses de trabalho, a CPI aprovou o relatório final, que atribuiu nove crimes ao presidente Jair Bolsonaro e pediu 80 indiciamentos por crimes na pandemia.
Apesar da Justiça ainda não ter responsabilizado ninguém pelo trágico episódio, ações em diferentes órgãos tentam responsabilizar os culpados. Há processos em andamento na Procuradoria-Geral da República, Ministério Público Federal, Ministério Público do Amazonas, Defensoria Pública, entre outros.
De acordo com a White Martins, o consumo atual de oxigênio nas unidades de saúde atendidas pela empresa no Amazonas é de 11,4 mil metros cúbicos diários, o que representa um sexto da demanda na época.
Durante a crise, foram instaladas 41 miniusinas geradoras do gás oxigênio, sendo 11 na capital, e 30 distribuídas em outros 26 municípios do interior, que seguem em funcionamento, segundo a SES.
Somados as produções das miniusinas e das empresas que possuem contrato com o governo, a capacidade de produção de oxigênio medicinal no Amazonas gira em torno de de 60 mil metros cúbicos por dia, conforme a SES.