Judoca do Líbano, nascido no Brasil, faz vaquinha para disputar Jogos

Quando o judoca Nacif Elias foi desclassificado na Rio 2016, após dar um golpe considerado irregular, ele prometeu dar a volta por cima. Na ocasião, este brasileiro, nascido em Vitória (ES), hoje com 32 anos, já havia optado há três anos por defender o Líbano. E não imaginava que, pouco antes dos Jogos Olímpicos Tóquio 2020, iria pensar em migrar para o MMA, tamanhas as dificuldades após ter optado por deixar a seleção brasileira.

“A pandemia atrapalhou muitos planos. Cheguei a interromper planos no judô para ir trabalhar em outros setores. Atuei em marketing digital, em campanha política e passei alguns meses nos Estados Unidos. Pensei até em ir para o MMA. Mas a Federação do Líbano me chamou novamente, repensei e estou aqui, treinando forte. E continuo com o objetivo de dar a volta por cima, vou lutar por medalha”, afirmou Elias, ao R7, após se classificar para os Jogos Olímpicos de Tóquio.

Atualmente ele está em Antalya, na Turquia, treinando sob orientação do libanês Francois Saade, e ao lado de competidores de todo o mundo. Mesmo sem receber salários há quatro meses, Elias se mantém com o que guardou, durante os outros trabalhos, e por meio de doações. Até abriu uma vaquinha virtual, onde está arrecadando dinheiro.

“Esporte de alto rendimento é muito caro. A federação do Líbano me ajuda como pode, mas está sem recursos. A pandemia afetou muito a economia libanesa. Para você ter uma ideia, estou treinando em um resort. É caro. Eu mesmo tenho de comprar meu quimono. O valor é de R$ 1,2 mil cada. Com ajuda, consegui ter quatro quimonos. É pouco, um atleta da seleção brasileira tem pelo menos oito”, conta.

Na trajetória de Elias, o judô é como a vida. No tatame, agarrado ao adversário, que simboliza a realidade, é preciso optar. Dar um ippon é superá-la, até encontrar tal realidade em uma nova etapa.

Levar o golpe é ver ela vencer no momento, mas sabendo que a realidade também é justa, porque sempre ela dá uma nova chance. A cada instante. A cada ciclo olímpico. Ele está podendo perceber isso melhor, em sua batalha quase que individual para disputar os Jogos Olímpicos de Tóquio, que se iniciam no próximo dia 23.

“Já havia defendido o Líbano em 2009. Viram meu sobrenome e me convidaram, por eu ser descendente de libaneses (bisavós). Em 2013, passei a ser atleta do Líbano. E não me arrependo da minha opção. Minha evolução veio depois que deixei a seleção brasileira. O judoca só fica mais forte quando treina com os melhores. No Brasil, por ter uma concorrência muito maior, é muito mais difícil ser selecionado para ir a campo treinar. Agora, pelo Líbano, estou treinando ao lado de lutadores do mundo inteiro, tendo disputado campeonatos na Ásia e adquirido muita experiência”, observa.

A família de Elias está no Brasil, onde ele continua morando. Casado, ele tem três filhos, de um, quatro e 10 anos. Antes de viajar para a Turquia, treinou e defendeu o Minas Tênis, em Belo Horizonte.

E teve a sensação de estar iniciando a carreira por lá.

“Não era fácil. Estava na casa da minha sogra, em Sabará. Ia de ônibus treinar, acordando 4h30 da manhã. O trajeto levava 1h. Eu ainda andava muito para chegar ao Minas. Levava marmita com os alimentos da dieta. E, no intervalo, não tinha onde ir. Muitas vezes ia lá na praça da Liberdade, e ficava descansando”, revela Elias, sem deixar de agradecer ao Minas por ter lhe dado esta oportunidade.

Longa trajetória

Elias tem uma longa trajetória no judô. Entrou no esporte ainda criança, quando seu pai procurava uma atividade para o menino, então hiperativo.

“Meu pai me colocou na natação, no futebol, e eu continuava elétrico. Então ele me botou no judô, com quatro ou cinco anos, e deu certo. Na categoria juvenil, eu tinha todos os resultados que um atleta brasileiro poderia ter. Então o Espírito Santo ficou pequeno para mim. Fui para o Rio, treinar na academia da Universidade Gama Filho, onde pratiquei com grandes nomes, como Flávio Canto”, diz.

Para ele, o esporte é, acima de tudo, uma filosofia de vida. Ainda mais o judô, com todos os seus ensinamentos orientais, direcionados ao respeito, à disciplina, à confiança e à humildade.

“O judô ensina a servir ao próximo. O esporte me ensinou isso. Estou longe da minha família, me sacrificando, também por essa mensagem. O esporte me proporcionou tudo, bolsa em faculdade, poder conhecer 28 países, me deparar com novas culturas, fazer amigos, ter uma visão mais ampla do mundo. Isso é o mais importante. Claro que vencer é importante, mas é uma consequência”, ressalta.

Todo esse sacrifício, para Elias, continua compensando. Disputar uma Olimpíada é o resultado que mais ilustra esses esforços.

No momento em que Elias ficou indignado, quando, na luta contra o argentino Emmanuel Lucenti, ele acabou desclassificado, em 2016, se viu sem estrutura para reclamar.

Eram apenas Elias e seu pequeno estafe, talvez diferentemente do que seria se estivesse na seleção brasileira. Mas ele se surpreendeu com o apoio da torcida, mesmo atuando pelo time libanês.

“Todos me apoiavam, o ginásio gritava mais do que com atletas da seleção brasileira. Naquele momento, o que me revoltou foi a forma como fui eliminado. Havia dado esse golpe em várias competições e ninguém reprovou. Vi então meu sacrifício de anos, o mesmo que estou fazendo agora, ter sido em vão, por aquele motivo. Mas o esporte tem essa beleza, que é um ensinamento para vida: não há problema que não se consegue superar, com esforço e confiança”, contou o judoca. Ele já baixou dos 110 kg e se aproxima dos 81 kg, da categoria em que irá competir.

E completou:

“Sempre fui carismático, alegre e espontâneo. Isso contagiou a torcida naquele dia.”

Deixando o chavão de lado, aquela derrota trouxe mais um ensinamento a Elias. A sensação de que ele não estará só. Terá sempre duas nacionalidades e duas torcidas. Pelo menos, dentro do tatame. Assim, vale qualquer sacrifício.

 

Fonte: R7

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